terça-feira, 1 de maio de 2012

ENTREVISTA: Técnico do INPE analisa desenvolvimento do Subsistema de Propulsão



Falta vontade política para se investir em tecnologia nacional

Por Shirley Marciano

Queremos e temos capacidade para produzir equipamentos de alta tecnologia, o que falta é vontade política”, diz Heitor Patire Júnior, responsável técnico pelo Subsistema de Propulsão da Plataforma Multimissão (PMM), do Satélite Amazônia-1, sob a responsabilidade do INPE. Heitor é doutor pelo ITA na área de Energia, especializado em Energia Térmica.
Jornal do SindCT: Que benefícios o Programa Espacial Brasileiro pode trazer para a sociedade?
Heitor Patire Júnior: Muitos benefícios. Quando um projeto é desenvolvido em institutos de pesquisa como o INPE, tendo ou não parceria com empresas nacionais, o país detém o conhecimento das tecnologias aplicadas, podendo ser usadas em outros produtos na indústria, através da transferência do conhecimento.
No caso da aplicação espacial, os produtos requerem processos com precisão e materiais que geralmente suportem ambientes com condições muito adversas. No entanto, o conhecimento dessas técnicas pode e já é utilizado por diversas áreas, como, por exemplo, indústria de alimentos, instrumentos médicos e ópticos, robótica, conformação e soldagem de materiais de liga especial, aviação, automobilística e muitas outras áreas.

Jornal do SindCT: Mas como ocorre a transferência desse conhecimento para as indústrias brasileiras? Essas tecnologias são vendidas?
Heitor Patire Júnior: A indústria nos procura para treinamento de mão de obra em nossos cursos de pós-graduação ou uso de nossos laboratórios para testes de seus produtos, como ocorre no LIT; ou quando tem alguma dificuldade tecnológica em seus produtos. O INPE treina e ajuda fazendo a transferência do conhecimento. No máximo, ocorre a reposição financeira dos materiais e energia consumidos, mas não existe qualquer lucro.

Jornal do SindCT: Na sua visão, qual a importância de desenvolver tecnologia nacionalmente?
Heitor Patire Júnior: Quando um país desenvolve a sua tecnologia pode vender com um valor agregado muito mais alto. É o caso dos países desenvolvidos que sempre investiram em tecnologia e que vendem os seus produtos para o mundo todo, mas jamais transferem o seu conhecimento por um óbvio motivo: vender sempre e não criar concorrência. É assim que pensa qualquer empresa ou país que detém conhecimento.

Jornal do SindCT: Em que nível você considera que o Brasil está em termos de desenvolvimento tecnológico na área espacial?
Heitor Patire Júnior: Entre os BRICs nós somos os últimos. O Brasil peca muito por não investir adequadamente em seus pesquisadores, valorizando-os com bom salário, com verba sem interrupções para projetos de pesquisa e desenvolvimento. Se não tem um bom salário, esse pesquisador vai embora para a universidade, indústria ou para fora do país procurar melhores condições. Com relação à verba para desenvolvimento de projeto, a falta de investimento consistente realmente é algo difícil de se entender para um país que possui um discurso de fazer pesquisa espacial.
Veja a questão da compra do subsistema de atitude e órbita da empresa Argentina INVAP. Por que não deixaram os pesquisadores do INPE desenvolver? O que teria faltado? Conhecimento? Certamente que não, pois, com toda certeza, os pesquisadores do INPE sabem fazer. Seria dinheiro? Também não foi, porque compraram o subsistema da empresa da Argentina por R$ 47, 5 milhões. Para ser justo, se tivesse usado esse mesmo recurso, contratando mais pessoas para esta equipe, equipando os laboratórios e comprado os equipamentos que faltavam, certamente teriam um produto muito melhor do que esse que será entregue pela estatal Argentina INVAP.
Sobretudo, haveria domínio deknow how na área, gerando uma autonomia para que nunca mais precisasse comprar este tipo de equipamento fora do Brasil. Poderíamos fabricá-los nas indústrias nacionais para utilizar nas várias aplicações que usam esse produto, como aviões, robôs, satélites, foguetes e muitos outros. A única explicação que é possível chegar é a de que ainda falta muita vontade política e patriotismo.

Jornal do SindCT: Se você estivesse falando agora com o ministro de Ciência e Tecnologia, Marco Antonio Raupp, o que diria a ele sobre essa questão acima abordada?
Heitor Patire Júnior: Gostaria que houvesse comprometimento desse governo para investir mais nos nossos institutos. Queremos e temos capacidade para produzir equipamentos de alta tecnologia. Precisamos que haja condições equilibradas para chegarmos a este fi m, ou seja, planejar as contratações necessárias, com tempo para treinar os novos funcionários concursados, comprar os equipamentos para os projetos, investir nos laboratórios e, sobretudo, dar continuidade financeira nas pesquisas, pois estas devem ser constantes e evolutivas. Quando uma pesquisa ou projeto é paralisado, automaticamente começamos a regredir, pois existem muitos profissionais pesquisando no mundo inteiro os mesmos produtos e equipamentos e, fatalmente, ficaremos para trás.

Jornal do SindCT: Por favor, ajude os leitores do jornal que não estão familiarizados com o tema a compreender o seu trabalho. O que é um Subsistema de Propulsão?
Heitor Patire Júnior: O Subsistema de Propulsão é o que proporciona o empuxo (força do líquido sobre um corpo), necessário para correções de atitude e órbita em um satélite. Ele é composto por um conjunto de equipamentos: tanque de combustível, tubulações, válvulas de controle e propulsores. Este subsistema faz parte da Plataforma Multi-missão (PMM) que é parte integrante do satélite Amazônia-1, com previsão para ser lançado em 2014.

Jornal do SindCT: Já houve experiências anteriores com relação ao Subsistema de Propulsão?
Heitor Patire Júnior: Em 2000 houve um subsistema embarcado em uma plataforma sub-orbital (PSO) que se perdeu no mar por problemas com o foguete. Esta é a primeira vez que é construído no Brasil para controle de atitude e órbita embarcado em um satélite, inclusive com tecnologia brasileira em alguns equipamentos. O desenvolvimento é realizado em parceria com a empresa nacional Fibraforte, que faz parte do consórcio de empresas da PMM.
A empresa desenvolveu o subsistema baseado em especificações e acompanhamento do INPE e atualmente estão realizando os testes de qualificação com grande êxito nos resultados.

(Para SindCT, 14)



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