Falta
vontade política para se investir em tecnologia nacional
Por
Shirley Marciano
“Queremos
e temos capacidade para produzir equipamentos de alta tecnologia, o
que falta é vontade política”, diz Heitor Patire Júnior,
responsável técnico pelo Subsistema de Propulsão da Plataforma
Multimissão (PMM), do Satélite Amazônia-1, sob a responsabilidade
do INPE. Heitor é doutor pelo ITA na área de Energia, especializado
em Energia Térmica.
Jornal
do SindCT: Que benefícios o Programa Espacial Brasileiro
pode trazer para a sociedade?
Heitor Patire Júnior: Muitos
benefícios. Quando um projeto é desenvolvido em institutos de
pesquisa como o INPE, tendo ou não parceria com empresas nacionais,
o país detém o conhecimento das tecnologias aplicadas, podendo ser
usadas em outros produtos na indústria, através da transferência
do conhecimento.
No caso da aplicação espacial, os produtos
requerem processos com precisão e materiais que geralmente suportem
ambientes com condições muito adversas. No entanto, o conhecimento
dessas técnicas pode e já é utilizado por diversas áreas, como,
por exemplo, indústria de alimentos, instrumentos médicos e
ópticos, robótica, conformação e soldagem de materiais de liga
especial, aviação, automobilística e muitas outras áreas.
Jornal
do SindCT: Mas como ocorre a transferência desse
conhecimento para as indústrias brasileiras? Essas tecnologias são
vendidas?
Heitor Patire Júnior: A indústria nos
procura para treinamento de mão de obra em nossos cursos de
pós-graduação ou uso de nossos laboratórios para testes de seus
produtos, como ocorre no LIT; ou quando tem alguma dificuldade
tecnológica em seus produtos. O INPE treina e ajuda fazendo a
transferência do conhecimento. No máximo, ocorre a reposição
financeira dos materiais e energia consumidos, mas não existe
qualquer lucro.
Jornal
do SindCT: Na sua visão, qual a importância de desenvolver
tecnologia nacionalmente?
Heitor Patire Júnior: Quando
um país desenvolve a sua tecnologia pode vender com um valor
agregado muito mais alto. É o caso dos países desenvolvidos que
sempre investiram em tecnologia e que vendem os seus produtos para o
mundo todo, mas jamais transferem o seu conhecimento por um óbvio
motivo: vender sempre e não criar concorrência. É assim que pensa
qualquer empresa ou país que detém conhecimento.
Jornal
do SindCT: Em que nível você considera que o Brasil está
em termos de desenvolvimento tecnológico na área espacial?
Heitor
Patire Júnior: Entre os BRICs nós somos os últimos. O
Brasil peca muito por não investir adequadamente em seus
pesquisadores, valorizando-os com bom salário, com verba sem
interrupções para projetos de pesquisa e desenvolvimento. Se não
tem um bom salário, esse pesquisador vai embora para a universidade,
indústria ou para fora do país procurar melhores condições. Com
relação à verba para desenvolvimento de projeto, a falta de
investimento consistente realmente é algo difícil de se entender
para um país que possui um discurso de fazer pesquisa espacial.
Veja
a questão da compra do subsistema de atitude e órbita da empresa
Argentina INVAP. Por que não deixaram os pesquisadores do INPE
desenvolver? O que teria faltado? Conhecimento? Certamente que não,
pois, com toda certeza, os pesquisadores do INPE sabem fazer. Seria
dinheiro? Também não foi, porque compraram o subsistema da empresa
da Argentina por R$ 47, 5 milhões. Para ser justo, se tivesse usado
esse mesmo recurso, contratando mais pessoas para esta equipe,
equipando os laboratórios e comprado os equipamentos que faltavam,
certamente teriam um produto muito melhor do que esse que será
entregue pela estatal Argentina INVAP.
Sobretudo, haveria domínio
deknow how na área, gerando uma autonomia para que nunca mais
precisasse comprar este tipo de equipamento fora do Brasil.
Poderíamos fabricá-los nas indústrias nacionais para utilizar nas
várias aplicações que usam esse produto, como aviões, robôs,
satélites, foguetes e muitos outros. A única explicação que é
possível chegar é a de que ainda falta muita vontade política e
patriotismo.
Jornal
do SindCT: Se você estivesse falando agora com o ministro de
Ciência e Tecnologia, Marco Antonio Raupp, o que diria a ele sobre
essa questão acima abordada?
Heitor Patire Júnior: Gostaria
que houvesse comprometimento desse governo para investir mais nos
nossos institutos. Queremos e temos capacidade para produzir
equipamentos de alta tecnologia. Precisamos que haja condições
equilibradas para chegarmos a este fi m, ou seja, planejar as
contratações necessárias, com tempo para treinar os novos
funcionários concursados, comprar os equipamentos para os projetos,
investir nos laboratórios e, sobretudo, dar continuidade financeira
nas pesquisas, pois estas devem ser constantes e evolutivas. Quando
uma pesquisa ou projeto é paralisado, automaticamente começamos a
regredir, pois existem muitos profissionais pesquisando no mundo
inteiro os mesmos produtos e equipamentos e, fatalmente, ficaremos
para trás.
Jornal
do SindCT: Por favor, ajude os leitores do jornal que não estão
familiarizados com o tema a compreender o seu trabalho. O que é um
Subsistema de Propulsão?
Heitor Patire Júnior: O
Subsistema de Propulsão é o que proporciona o empuxo (força do
líquido sobre um corpo), necessário para correções de atitude e
órbita em um satélite. Ele é composto por um conjunto de
equipamentos: tanque de combustível, tubulações, válvulas de
controle e propulsores. Este subsistema faz parte da Plataforma
Multi-missão (PMM) que é parte integrante do satélite Amazônia-1,
com previsão para ser lançado em 2014.
Jornal
do SindCT: Já houve experiências anteriores com relação ao
Subsistema de Propulsão?
Heitor Patire Júnior: Em 2000
houve um subsistema embarcado em uma plataforma sub-orbital (PSO) que
se perdeu no mar por problemas com o foguete. Esta é a primeira vez
que é construído no Brasil para controle de atitude e órbita
embarcado em um satélite, inclusive com tecnologia brasileira em
alguns equipamentos. O desenvolvimento é realizado em parceria com a
empresa nacional Fibraforte, que faz parte do consórcio de empresas
da PMM.
A empresa desenvolveu o subsistema baseado em
especificações e acompanhamento do INPE e atualmente estão
realizando os testes de qualificação com grande êxito nos
resultados.
(Para
SindCT, 14)
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