Por Shirley Marciano

Veio de origem humilde e não tinha estudo. Morava na área rural e seu ofício era transportar, em uma carroça emprestada, móveis, tijolos e tudo mais que aparecesse para lhe garantir um dinheirinho.

A aparência, vestimenta e modo de falar eram de um homem muito simples; um típico matuto. De poucas palavras, mas de sonho bem grande. Berfares Souza Oliveira, o carroceiro, queria mesmo ser vereador na cidade de São José dos Campos.

Em 1968, o Brasil passava por um período conturbado da Ditadura Militar. Época em que existia muita revolta por parte do povo, devido a uma série de restrições. Porém, havia o anseio de dar à aristocracia joseense e ao regime político, uma resposta a tudo isso. Foi assim, no que se convencionou chamar de voto de protesto, que o modesto carroceiro da região Norte foi eleito vereador pelo partido MDB.

Os postulantes nesta época eram de famílias tradicionais e abastadas, como médicos e advogados, considerando que nesse tempo eram poucos os que se formavam em nível de ensino superior. Portanto, um candidato com o perfil Berfares, naquele momento era algo inusitado. Não raro, chegava a ser comparado pelos seus concorrentes com o Jeca-tatu, personagem de Monteiro Lobato.

A ideia era tentar ridicularizá-lo e, desse modo, fazê-lo tornar-se um candidato inviável.
Essa história é contada no livro escrito, em 2003, pelo jornalista e historiador, Carlos Alberto Fernandes Pinto, morador da região Norte, atuante nas ações comunitárias e, por essa razão, um curioso sobre as histórias e os folclores surgidos ali.

Ele explica que foi motivado a escrever em virtude dos recorrentes boatos sobre o carroceiro. “Fiz diversas pesquisas em documentos na Câmara e na Biblioteca Municipal porque não havia nenhuma obra que contasse sobre a vida de Berfares. Além disso, o entrevistei várias vezes até conseguir saber o que de fato teria acontecido, levando sempre em consideração o contexto histórico daquela época.”
Enquanto os outros candidatos faziam propagandas caríssimas, inclusive em jornais pagos, o carroceiro-vereador contava apenas com panfletos doados, que eram distribuídos por voluntários. Seu comitê foi improvisado e funcionava em um bar no bairro Alto da Ponte.

Em São José dos Campos, havia nessa época somente 41.335 eleitores e, por conta disso, não precisava de muitos votos para vencer as eleições. Assim, Berfares foi eleito com 1.242, sendo o mais votado do MDB e o segundo de toda a cidade.
Mesmo eleito com essa votação surpreendente, o então presidente do MDB, Marcondes Pereira, teria tentado colocar seu irmão, que era suplente, no lugar de Berfares, mas não conseguiu e, de acordo com o livro, o radialista Antônio Leite o teria defendido.

Quando começou o seu mandato, recebia subsídio da Câmara. Porém, com o advento do Ato Institucional-5 (AI-5), foi cortado este benefício, que era dado a todos os vereadores. Logo depois, o Sindicato dos Metalúrgicos entrou na Justiça para que eles devolvessem tudo o que haviam recebido. Assim, Berfares passou por uma situação financeira muito difícil. Ele não tinha nem roupas para trabalhar e, por constatada penúria, recebia doações de outros vereadores e de amigos.

“Ele era muito pobre mesmo, tanto que quando ele aparecia com sapatos brancos na Câmara, todo mundo sabia que ele havia ganhado do Dr. Métene Fauze, conhecido médico em São José. Somado a isso, a partir de 1970, quando se casa, começa a ter muitos filhos, o que o coloca em uma situação ainda pior”, conta Carlos Alberto.

A legislatura do humilde vereador foi marcada pelo atendimento de várias reivindicações de demandas sociais da região Norte, como água, iluminação e outros, entretanto, conseguiu aprovar apenas uma lei.
Berfares se elege mais uma vez pelo MDB, em 1972, e novamente é o mais votado da região Norte, atingindo 1.841 votos. No entanto, dessa vez não é o mais votado do partido, ficando a sua frente Robson Marinho, Joaquim Bevilacqua e Francisco Ricci.


Ele tenta ser reeleito outras 3 vezes, em 1976, 1982 e 1988, mas sem sucesso. A pesquisa do jornalista aponta um fator que teria sido determinante para sua derrota. “Em 1976, colocaram um candidato com perfil muito parecido com o de Berfares. O comerciante Raimundo Romancini era da mesma região e partido”, afirma.
Berfares já faleceu, mas hoje teria 75 anos. Quando Carlos Alberto terminou o livro, o ex-vereador vivia de uma pequena mercearia na região Norte e da aposentadoria que recebia da Prefeitura, onde trabalhou durante 16 anos. Ele teve 11 filhos e um único casamento.


Carlos Alberto Fernandes Pinto é joseense, formado em jornalismo e pós-graduado em História pela Universidade de Taubaté - Unitau.

Para adquirir o livro, entre em contato com o autor pelo e-mail: carlos.alberto576@terra.com.br . O lucro desta obra será doado ao Hospital Materno-Infantil Antoninho da Rocha Marmo.

(Para SindCT,18)