quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Pós-Graduação do INPE é vítima de sua eficiência, afirma Bertachini



Entrevista com o Dr. Antônio Fernando Bertachini de Almeida Prado, chefe da Divisão de Mecânica Espacial e Controle e presidente do Conselho de pós-graduação do INPE.

Por Shirley Marciano

Em visita à unidade do INPE de Cachoeira Paulista no dia 16 de julho, o ministro Marco Antonio Raupp, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação - MCTI, afirmou que a dedicação dos docentes à área de pós-graduação prejudica a finalidade dos serviços prestados pelos institutos, por desviar recursos físicos e humanos.

Também criticou os tecnologistas ligados diretamente aos programas de satélites do INPE que estariam cursando PG, quando estes deveriam estar “engenheirando”.
O Secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do MCTI, Carlos Afonso Nobre, na mesma ocasião, ratificou a opinião do ministro e disse achar errado o CPTEC estar formando pessoal qualificado para as universidades, visto que a maior parte dos mestres e doutores acaba não permanecendo na instituição.

Por outro lado, atualmente, em média, cada funcionário alocado nessa atividade dedica cerca de 30% de seu tempo. Esse número é ainda menor, cerca de 20%, para os funcionários das áreas tecnológicas do Instituto. Vale lembrar que atuar na PG-INPE é uma tarefa voluntária e muitas das atividades são realizadas fora do horário normal de expediente. “Já sou aposentado e me dedico a dar aula na PG gratuitamente porque é uma forma de transferir conhecimento aos jovens, além de ser um privilégio pelo que representa essa pós-graduação para o país”, explica Hans Ulrich Pilchowski, doutor em Ciência Espacial.
O presidente do Conselho de Pós-graduação do INPE, Dr. Antônio Fernando Bertachini de Almeida Prado, ressalta que a PG não atrapalha demandas prioritárias, já que é possível substituir mão de obra a qualquer tempo, pois a CAPES aceita a participação de bolsistas de pós-doutorado como docentes.

Outro dado relevante diz respeito à qualidade e produtividade. Até julho de 2012, a pós-graduação do INPE formou 1810 mestres e 521 doutores e, de acordo com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, o INPE tem atualmente uma média de avaliação de 5,3, a USP 5,2, sendo a média nacional 3,6. Essa pontuação a coloca entre as melhores instituições do país.
Além das excelentes médias de avaliação, a PG possui um diferencial que deve ser considerado. Todos os programas são focados em tópicos bastante específicos e costumam envolver áreas de atuação não cobertos por universidades brasileiras. Para entender melhor o que é e como funciona a pós-graduação do INPE, leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida pelo Dr. Bertachini ao Jornal do SindCT.

Jornal do SindCT: Como está constituída a PG do INPE hoje?
Antonio Fernando Bertachini: O INPE possui hoje 7 programas de pós-graduação: Astrofísica (AST), Engenharia e Tecnologia Espaciais (ETE), Computação Aplicada (CAP), Geofísica Espacial (GEO), Sensoriamento Remoto (SRT), Meteorologia (MET) e Ciência do Sistema Terrestre (CST). O programa de Engenharia e Tecnologia Espaciais (ETE) é dividido em quatro áreas de concentração: Ciência e Tecnologias de Materiais e Sensores (ETE-CMS), Combustão e Propulsão (ETE-PCP), Engenharia e Gerenciamento de Sistemas Espaciais (ETE-CSE) e Mecânica Espacial e Controle (ETE-CMC).

Jornal do SindCT: Qual o tamanho da PG do INPE hoje?
Bertachini: Ela é muito grande em termos de produção, mas relativamente pequena em termos de consumo de recursos, em particular de mão de obra de funcionários. O INPE tem hoje 565 alunos, sendo 217 de mestrado e 348 de doutorado, destes 26 do exterior. Até julho de 2012, a pós-graduação do INPE formou 1810 mestres e 521 doutores. Desse total, 190 mestrados e 97 doutorados são relativos a funcionários do INPE. Nos últimos cinco anos foram 416 mestres e 218 doutores. Uma pesquisa rápida efetuada recentemente mostrou que cerca de um terço dos trabalhos científicos publicados pelo INPE tem um aluno de PG como primeiro autor. Se levar em conta co-autorias esse número é ainda maior.

Do ponto de vista de docência, o envolvimento de funcionários do INPE na PG é de cerca de 60 homens-hora, o que representa menos de 10% do efetivo institucional.
Além disso, não existe nenhum beneficio financeiro para participar dessas atividades. Mesmo coordenadores de Cursos não recebem nenhuma remuneração adicional para exercer essas atividades. Inclusive o Coordenador de pós-graduação não recebe DAS.

Em resumo, a PG tem uma produção tão elevada que passa a impressão de ter um “exército” enorme atuando nela. Mas essa ideia se mostra errada, com uma análise mais detalhada. De certa forma, ela é vítima de sua eficiência, quando questionada sobre uso excessivo de mão de obra de funcionários do INPE.

Jornal do SindCT: Como a PG do INPE é financiada?
Bertachini: A CAPES nos fornece hoje 82 bolsas de doutorado e 55 de mestrado. Além disso, ela também concede recursos financeiros para suas atividades de custeio. O INPE recebe um total de quase um milhão de reais anuais, montante suficiente para cobrir as atividades a que se destinam. Também recebemos recursos financeiros do CNPq e da FAPESP, através de bolsas de estudo e recursos para atividades acadêmicas. Esses recursos não são centralizados na Secretaria de Pós-Graduação do INPE, por isso não temos números exatos. Ou seja, a PG do INPE traz recursos e não despesas à Instituição.

Jornal do SindCT: Quais os resultados da PG do INPE, como um todo, no que se refere a qualidade?
Bertachini: No que diz respeito à qualidade, segundo a CAPES, o INPE tem atualmente uma média de 5,3, com referência uma da média nacional de 3.6, que o coloca entre as melhores instituições do país.

Jornal do SindCT: A PG do INPE atua nas mesmas áreas das PGs universitárias?
Bertachini: Em geral não. Todos os programas são focados em tópicos bastante específicos e costumam envolver áreas de atuação não cobertas por universidades brasileiras. Alguns exemplos dessas especificidades são:
a) na astrofísica existe grande atividade no desenvolvimento de instrumentação científica para observações astronômicas e radioastronômicas;

b) na engenharia temos o único programa na área de propulsão do Brasil, bem como o único programa brasileiro em Engenharia de Sistemas Espaciais. Várias áreas de mecânica espacial ligadas a satélites artificiais também são únicas no Brasil, assim como em pesquisa de materiais. A Engenharia tem uma ligação muito forte com empresas do setor aeroespacial da região, e colabora na formação de recursos humanos para essas empresas, fato que universidades não fazem com tanta intensidade;
c) A CAP utiliza conhecimentos de matemática aplicada em ciência e tecnologia espacial e não existem similares no Brasil.
d) O recém criado curso de Ciências do Sistema Terrestre é o único no Brasil com foco na formação de especialistas aptos a buscar soluções para os problemas ambientais globais que incluam o Brasil, tópico de grande importância atualmente.
e) O curso de Geofísica Espacial é o curso mais antigo e melhor classificado no Brasil na área, e tem grande foco em problemas relacionados a região brasileira.
f) O curso de Meteorologia atua na previsão numérica de tempo e clima e ajuda o INPE a ficar no “estado da arte” na área.
g) As atividades desenvolvidas no curso de Sensoriamento Remoto ajudam a formar profissionais aptos a atuar em técnicas específicas para os problemas brasileiros.

Jornal do SindCT: Quais os maiores problemas da PG do INPE, pensando no seu presente e futuro?
Bertachini: O maior problema é ligado a recursos humanos. Um levantamento feito em 2011 mostra um quadro preocupante com relação a aposentadorias. A taxa média de aposentadorias dos funcionários-docentes é de 12,5 docentes/ano. Estima-se que em 2017 a PG perderá cerca de 63 docentes, mais de 30% do seu quadro atual. Seria necessária a contratação de funcionários-doutores com experiência e perfil para assumir essas funções.

Jornal do SindCT: Existe uma divisão de mão de obra entre atividades acadêmicas e tecnológicas no INPE?
Bertachini: Em minha opinião não. Essa questão precisa ser analisada por dois pontos de vista distintos: docente e discente. Do ponto de vista docente, as duas áreas do Curso de Engenharia mais ligadas às missões tecnológicas do INPE, por exemplo, utilizam uma mão de obra muito baixa. A opção CSE utiliza cerca de 3,6 homens-hora. A opção CMC trabalha atualmente com cerca de 2,0 homens-hora, se consideradas as atividades de ministrar disciplinas, que seriam as atividades eliminadas com o encerramento da PG. Esses valores são insignificantes diante do déficit de pessoal na Coordenadoria de ETE. Além disso, nota-se que muitos dos docentes já possuem, ou estão bem próximos de possuir, tempo para solicitar suas aposentadorias.

Do ponto de vista discente, a participação de funcionários em cursos de pós-graduação é bastante incentivada pelo MCTI, já que existe uma substancial gratificação salarial associada a sua titulação. É bem provável que apareçam dificuldades na manutenção de funcionários mais jovens, caso a opção da titulação seja negada. Poderemos ter uma perda grande de funcionários jovens, não dispostos a ficarem 3 décadas com salários substancialmente menores para obter uma aposentadoria melhor. A opção CSE do curso ETE foi criada, entre outros objetivos, para viabilizar a opção da titulação a funcionários dentro da própria instituição. Estudando dentro do INPE é possível desenvolver teses aplicadas às missões espaciais do INPE.

Temas com foco não acadêmico enfrentarão resistências nas Universidades, que precisam seguir os critérios da CAPES que cobra produção de trabalhos acadêmicos acima de tudo. Além disso, existem os recursos próprios do INPE, como o Laboratório de Integração e Testes-LIT, o Laboratório de Simulação-LABSIM, etc., além de bibliotecas como a do Serviço de Informação e Documentação SID, que são únicos no Brasil e seu aproveitamento compartilhado entre atividades de ensino, pesquisa, desenvolvimento, etc., apresenta alta eficácia e extrema economicidade pois, nas condições do Brasil, mantê-los já é difícil, duplicá-los ou fracioná-los é impossível.

Em resumo, em termos de custos financeiros e de mão de obra, é muito mais barato e eficiente manter a PG no INPE do que transferir suas atividades para fora da Instituição. Principalmente se levarmos em conta que não existe uma grande oferta de Instituições geograficamente próximas para efetuar essa transferência.

Jornal do SindCT: É possível diminuir o tempo de alocação de docentes das áreas tecnológicas sem prejudicar a PG, em casos de necessidade?
Bertachini: Sim, sem dúvida. A CAPES aceita a participação de bolsistas de pós-doutorado como docentes. Sendo assim, é possível reduzir a alocação do tempo dos docentes utilizando essa mão de obra. Havendo demanda, é possível alocar os funcionários-docentes nos projetos prioritários e substituí-los nas atribuições acadêmicas.

Jornal do SindCT: Que outras vantagens a PG do INPE oferece a Instituição?
Bertachini: Muitas. Um bom exemplo é o fato de a PG ser um elemento agregador de profissionais externos ao INPE. Pesquisadores de renome mundial orientam alunos nos nossos Cursos, em parceria com docentes da Instituição. Isso colabora com a produção acadêmica da instituição sem nenhum custo extra, já que esses alunos, em geral, são bolsistas FAPESP.

Outro bom exemplo é a transferência de conhecimentos das velhas para as novas gerações com baixos custos, como faz a “NASA Academy” atualmente. A PG é um elemento agregador de ex-funcionários aposentados do INPE e de outras instituições, fazendo com que, mesmo após a aposentadoria, continuem colaborando com a instituição e atuando na formação das gerações futuras de cientistas e engenheiros na área espacial. Sendo assim, com a sua manutenção, é possível utilizar a mão de obra mais experiente do INPE, que não possui substitutos em outras instituições, na formação ou aperfeiçoamento da mão de obra menos experiente do INPE.

(Para SindCT,18)

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