quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Falhas em conversores do CBERS colocam MCTI e INPE em dilema


CBERS-3: Lançamento pode atrasar até dois anos 

Por Shirley Marciano
Foto: Shirley Marciano

Durante testes finais realizados no Brasil e na China para lançamento do CBERS-3 foram constatados problemas em parte do sistema de energia do satélite, nos pequenos conversores DC/DC. Por este motivo, poderá haver atrasos significativos no cronograma de lançamento do satélite, inicialmente previsto para novembro de 2012.

Esses componentes foram comprados entre 2007 e 2008 da fabricante americana Modular Devices Incorporated – MDI para serem utilizados nos satélites CBERS 3 e 4. Curiosamente, esta empresa não teve que passar pelas restrições da International Traffic in Arms Regulations - ITAR, que é uma reguladora de venda de produtos classificados como críticos, e, de acordo com informações obtidas com pessoas envolvidas no processo de compra à época, este teria sido o fator determinante para a escolha desta empresa, já que havia muita dificuldade para se encontrar outros fornecedores que vendessem ao Brasil em razão dessas restrições.

Quando já estava tudo praticamente pronto para o lançamento, observou-se a falha de oito conversores DC/DC, dos 44 utilizados no CBERS-3. Ou seja, quase 20% dos conversores adquiridos para serem utilizados nos satélites simplesmente não funcionaram. Teoricamente seria uma simples questão de substituição; entretanto, a estatística mostrava que havia um risco alto de acontecer o mesmo com os demais componentes que ainda não haviam sido utilizados.

“Todos ficaram muito apreensivos com a gravidade da situação, pois embora existam componentes sobressalentes destes conversores no satélite para casos de falhas, a queima dessa quantidade de dispositivos era a constatação de que o problema poderia ocorrer novamente”, explica um especialista da área que não quis se identificar. Ele explica ainda que “componentes espaciais, durante os testes finais, devem ter sempre desempenho de altíssima confiabilidade, afinal, não é possível fazer a ‘manutenção’ do satélite uma vez que o mesmo esteja em órbita”. Assim, a lógica é simples: “estragou no espaço, perde-se todo o investimento, tempo e finalidade”, conclui.

Diante do problema, entre os dias 18 e 24 de agosto, cinco engenheiros do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE, incluindo o coordenador do Segmento Espacial do Programa CBERS, engenheiro Janio Kono, estiveram nos EUA para tentar identificar, junto à empresa fornecedora dos componentes, os motivos que levaram às falhas, conforme divulgado no Diário Oficial da União de 17 de agosto de 2012.
A empresa analisou os dispositivos que apresentaram falhas e emitiu um relatório técnico no dia 20 de outubro, no qual teria reconhecido que parte dos problemas surgidos pode ter sido causada por erros na fabricação dos componentes. Como todos os componentes adquiridos pelo INPE faziam parte de um mesmo lote, levantou-se a suspeita de que outros componentes que não apresentaram falhas durante os testes também pudessem vir a falhar.

O relatório aponta ainda outros motivos --estes de responsabilidade do INPE e da empresa Mectron, contratada para projetar e fabricar os equipamentos para o satélite-- que podem ter contribuído para a falha dos componentes. O principal deles diz respeito a um erro de projeto dos circuitos que trabalham em conjunto com os conversores DC/DC que falharam. De acordo com o relatório, estes circuitos estariam induzindo sinais anormais nos conversores, propiciando sua falha.

Ao que tudo indica, entretanto, a empresa fornecedora MDI teve responsabilidade pela falha nos componentes. A reportagem encontrou em um site indiano um artigo de 22 de outubro de 2010 que avalia o projeto do satélite Chandrayaan-1. Neste artigo faz-se menção à falha destes mesmos conversores DC/DC fabricados pela MDI.
Em tradução livre o artigo afirma que “o comitê também revelou, pela primeira vez, que um minúsculo componente de 110 gramas de apenas US$ 5 mil derrubou uma missão que custou US$ 100 milhões”. ‘Foi a formiga que matou o elefante’, observou um engenheiro da agência espacial indiana. Ainda segundo o artigo, “um componente chamado conversor DC/DC, muito parecido com um transformador pequeno, que havia sido importado de uma empresa americana, Modular Devices Inc., foi o que causou a falha.
Não um, mas cinco destes componentes falharam sequencialmente a bordo do Chandrayaan-1, causando a interrupção prematura da missão. Entretanto, o comitê de investigação apontou em seu relatório falhas por parte dos técnicos da própria agência espacial indiana evolvidos nas atividades de teste e garantia do produto, por não terem sido capazes de detectar a má qualidade do componente importado, vital para o funcionamento do satélite.” http://www.thehindu.com/opinion/lead/article841036.ece

Fazendo uma analogia com o caso ocorrido no programa espacial indiano, alguns questionamentos são imediatos, a saber:
1) a equipe técnica responsável pela condução dos testes de qualificação dos componentes importados, bem como o pessoal responsável pela garantia do produto, tanto do INPE quanto da Mectron, têm alguma responsabilidade por não haver detectado antes algum sintoma de falha dos conversores que veio a ocorrer mais tarde?
2) levando em conta que um número significativo de componentes apresentou falhas, a simples substituição destes por outros sobressalentes do mesmo lote não contribuiria para uma diminuição indesejável do nível de confiança do satélite, colocando em risco a própria missão, como ocorreu com o satélite indiano?
3) assumindo-se que houve erros tanto por parte da empresa fornecedora dos componentes (MDI), quanto do INPE e da Mectron (contratada para fabricar partes do satélite CBERS), quem deverá arcar com os gastos financeiros extras decorrentes da substituição das peças e retrabalho dos equipamentos? A União?

Engenheiros do INPE consultados pela reportagem comentaram possibilidades de solução para o dilema do lançamento do CBERS 3. As alternativas apontadas foram:
1) Levar os componentes à MDI, acompanhar a inspeção de cada um e ir corrigindo suas falhas: Pode ser uma solução mais rápida, mas como se trata de uma empresa que mostrou ter antecedentes de problemas que não foram sanados --vide o caso da Índia-- talvez possa ser um risco considerável.
2) Trocar de fornecedor, utilizando o serviço de um fabricante mais conceituado no mercado para este tipo de dispositivo: um alternativa mais segura, no entanto, demandaria mais tempo, pois ao adquirir componentes novos, seria necessário reanalisar e reprojetar as placas de circuito de todo o sistema, o que poderia levar a um atraso de até dois anos no lançamento do satélite.

A reportagem apurou ainda que está havendo muita pressão do MCTI, para que o CBERS-3 seja lançado o mais rapidamente possível (fala-se em fevereiro de 2013), como forma de se evitar desgastes políticos ainda maiores com os parceiros chineses. Entretanto, técnicos e engenheiros do INPE estão receosos de que se tome uma decisão pela pressa e cause o maior de todos os desastres para uma missão não tripulada: o não funcionamento do satélite em órbita.
O impasse é proporcional à gravidade do problema, e há rumores diversos no INPE sobre o desdobramento do fato. Inclusive, no dia 23 de outubro, os chineses foram ao Instituto para discutir um acordo sobre o que fazer com relação às falhas dos dispositivos DC/DC.

Mas, como esta parte do satélite é de responsabilidade do Brasil, teriam se eximido de opinar sobre o assunto para aguardar um posicionamento brasileiro sobre as próximas ações. Dias antes da visita chinesa, o ministro Marco Antonio Raupp (MCTI), esteve, sem aviso prévio, nas instalações do INPE reunido a portas fechadas com os responsáveis pelo programa CBERS, muito provavelmente para tratar dos desdobramentos das falhas dos conversores DC/DC ocorridas na China, bem como avaliar os impactos das mesmas sobre o cronograma de lançamento do satélite.

A direção do INPE foi procurada para comentar o assunto mas informou que preferia não emitir opinião neste momento.

(Para SindCT,19)

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Pesquisas abrem caminho para o avanço do tratamento do câncer

Por Shirley Marciano

Física nuclear e pesquisadora aposentada do INPE, Dra. Raquel Paviotti Corcuera, compôs a equipe que recebeu prêmio Nobel da Paz 2005 por trabalhos desenvolvidos junto à Agência Internacional de Energia Atômica – AIEA. O prêmio foi um reconhecimento pelo projeto para o uso pacífico e seguro da energia nuclear.
A pesquisadora veio morar em São José dos Campos em 1978, quando foi contratada pelo DCTA para trabalhar em projetos na área nuclear. Anos depois, em 1994, deixou o DCTA e ingressou no INPE. Raquel nasceu em Córdoba, na Argentina, e é naturalizada brasileira. Ela trabalhou na AIEA, em Viena, na Áustria, entre 1997 e 2004.

A pesquisadora aposentou-se pelo INPE em 2007, embora confesse sentir vontade de continuar trabalhando. Porém, por causa da Fibromialgia, doença de dores crônicas, resolveu que estava na hora de fazer uma pausa.

Jornal do SindCT: O que representou para toda a equipe o recebimento desse importante prêmio, que é um reconhecimento internacional?


Dra. Raquel Paviotti Corcuera: Foi muito importante para a AIEA receber o Prêmio Nobel da Paz em 2005. Ele foi atribuído conjuntamente a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e ao Diretor Geral naquela época, o Dr. Mohamed El Baradei, “por seus esforços para evitar que a energia nuclear fosse usada para fins militares e para assegurar que a energia nuclear para fins pacíficos fosse usada da maneira mais segura possível”.


SindCT: Como ocorreu a indicação? 
Dra. Raquel: O da Paz é um dos cinco Prêmios Nobel, junto aos de Física, Química, Fisiologia/Medicina e Literatura que são entregues anualmente em Estocolmo, sendo o Nobel da Paz atribuído em Oslo. O Comitê Nobel Norueguês, cujos membros são nomeados pelo parlamento norueguês, tem a função de escolher o laureado pelo prêmio, que é entregue em dezembro de cada ano. No ano de 2005, o comitê achou que o trabalho da AIEA, durante os anos anteriores, a fazia merecedora de tal prêmio. A este respeito é importante lembrar o contexto histórico das relações entre os EUA e o Iraque, quando os EUA insistiam em dizer que o Iraque estava desenvolvendo armas nucleares, e os inspetores da agência argumentavam que não encontraram nada irregular naquele país.


SindCT: Quais foram as consequências científicas e pessoais após o prêmio?
Dra. Raquel: O valor do Prêmio Nobel é de aproximadamente 1,4 milhão de dólares. Sendo que, deste valor, o Diretor Geral recebeu a metade, que doou a uma entidade filantrópica do Egito. E a outra metade, aproximadamente 700 mil dólares, foi aplicado para projetos de cooperação técnica em países em desenvolvimento na área de saúde e alimentos.

Foi muito bom para a AIEA e para todos os funcionários terem recebido esse destaque em termos de reconhecimento do trabalho que a Agência faz internacionalmente, dentro da área de segurança nuclear, do uso em aplicações e no monitoramento de armas nucleares.

Em termos pessoais, é muito bom ter tido a honra de participar de uma equipe internacional como essa.

SindCT: Com relação à base de dados nucleares para produção de radioisótopos de aplicação terapêutica de tratamento de câncer, houve avanços? Em que estágio encontra-se esse projeto?
Dra. Raquel: Meu trabalho na agência se relacionou com a obtenção de dados nucleares para aplicações. O grande desafio foi conseguir que uma base espelho da fonte de dados da AIEA fosse instalada no Brasil para atender as necessidades da América Latina. O projeto tinha por titulo: “Centro Regional de Dados Nucleares da AIEA para América Latina”. Não só foi necessário lutar pelo desenho e o conceito, mas também pela ideia de trazer a base para a América do Sul, e enfrentar os países que disputavam ser sede, como México e Argentina.




Em 2000, a internet era ainda muito lenta e o projeto era vital para acelerar o acesso a dados confiáveis na América Latina e particularmente aqui no Brasil. Minha ideia era trazê-la para o INPE ou o DCTA, mas infelizmente nem um, nem o outro, tinha condições de conduzir o projeto. Então, ele acabou ancorado no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares – Ipen, em São Paulo. Depois de 2 ou 3 anos, a Índia também ficou interessada no projeto e conseguiu implantar uma base espelho de dados da AIEA na Índia.

Projeto: “Development of a Database for Prompt Gamma-ray Neutron Activation Analysis”.



PGAA é um método não destrutivo de análise que pode ser feito “in situ” e detecta qualquer elemento da Tabela Periódica, do hidrogênio até o urânio. Esta base tem aplicações em ciência de materiais, química, geologia, mineração, arqueologia, meio ambiente, análise de alimentos e medicina.

Portal de acesso: http://www-nds.iaea.org/pgaa/


Projeto: “New International Reactor Dosimetry File, IRDF-2002”


Essa base de dados é essencial para melhorar a avaliação da vida útil de vasos de pressão de reator em usinas nucleares. Esta informação também tem uso importante na área médica.



Projeto: “Nuclear Data for Production of Therapeutic Radioisotopes”


Este projeto já terminou e fiquei muito feliz ao receber o livro publicado pela AIEA na minha última viagem à Viena, em setembro passado. Esses dados são importantes para a produção de radioisótopos de uso terapêutico em medicina. Neste projeto, por indicação minha na época, participaram colegas do ITA e do IEAv.

Portal de acesso:


(Para SindCT,19)